quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Um Pouco Sobre Literatura de Cordel

Alguns trechos retirados do meu trabalho monográfico só para situar um pouco mais os leitores e servir como fonte de pesquisa para todos os interessados em Poesia Popular. em breve estarei postando poemas meus.


UMA LINGUAGEM SIMPLES, MAS CAPAZ DE GERAR TANTA BELEZA.


A literatura de cordel surge como uma manifestação poética de cunho popular que usa formas poéticas bem específicas e uma linguagem simples. Mesmo com tanta simplicidade o poeta cordelista consegue elevar a sua produção aos maiores patamares artísticos construindo sua poesia com uma riqueza de imagens poéticas e mergulhando no mais profundo lirismo. Através da reflexão e da análise literária chegamos a uma consideração relevante a respeito dos mecanismos e técnicas empregadas pelo poeta e dos “caminhos” artísticos percorridos para chegar à construção das imagens e do lirismo.



PARA QUEM PENSA LITERATURA


Na literatura de cordel estão contidos informação e lirismo de uma maneira simples e clara. Mesmo com essa simplicidade os folhetos de cordel vêm, há anos, embelezando as histórias cotidianas contadas pelo povo. Sendo uma arte de cunho popular tem como uma de suas características o baixo custo de produção e comercialização, é muito comum encontrarmos no nordeste brasileiro artistas populares que escrevem os poemas, produzem as xilogravuras para ilustrar as capas dos cordéis, imprimem, montam e vendem os folhetos pelas ruas, praças e feiras.

As histórias do imaginário popular, fatos políticos e do cotidiano das pessoas simples aparecem como sedo uma plataforma temática para esse tipo de poesia, essas temáticas aproximam o cordel do jornalismo. Mas não é só disso que vive a literatura popular, há também o amor, a saudade da terra de origem, as questões sociais, ecológicas, filosóficas, enfim, tudo o que incomoda e impacienta o espírito do homem. A profundidade atingida pelos versos de alguns poetas é digna de receber atenção e ser objeto de estudo, já que encontramos poemas com versos tão interessantes que não deixam nada a dever à poesia acadêmica tradicional (Classicismo, Romantismo, Parnasianismo, Simbolismo etc.).

Diante disto este trabalho se destina a investigar como se constrói o lirismo e as imagens poéticas dentro da literatura de cordel.

Existem poucos estudos avaliando o íntimo poético encontrado na poesia popular, comumente os pesquisadores se detêm aos aspectos históricos, sociais ou formais presentes nos folhetos de cordel, dando pouca visibilidade a outros aspectos como a beleza, profundidade e lirismo dos versos, e este trabalho se propõe a ajudar a completar essa lacuna no tocante ao estudo da literatura de cordel.

Por ser um gênero de cunho popular, alguns pesquisadores, como Alcides Vítor de Carvalho, professor e organizador do acervo de literatura de cordel da UEL, chegaram a acreditar que este tipo de literatura poderia morrer com o crescimento das cidades - o que nos traz uma série de novos conflitos e modifica a visão de mundo do homem -, o desenvolvimento dos meios de comunicação – o que poderia por fim em uma das funções primeiras do cordel que era noticiar certos acontecimentos nas pequenas cidades do nordeste – bem como o advento da informática – que poderia passar por cima da forma tradicional de se compor e comercializar os livretos. Apesar de alguns autores estarem usando o computador e as impressões digitais para materializarem sua produção poética, a poesia popular não perdeu força. Aconteceu o contrário. O cordel se expandiu e consolidou-se na função de comentário dos fatos cotidianos, além de nos fazer pensar e sonhar com suas imagens, sua linguagem simples, popular e rica. Para qualquer assunto, de um desastre natural ao desempenho da seleção brasileira na copa do mundo de futebol, sempre haverá um poeta esperando para transformar o acontecido em versos (VANZELLA, GALIOTO e TINTI, 2002).

A poesia é considerada um meio de “ganhar” a vida, uma atividade profissional, pelos seus produtores e público. Entretanto, é uma atividade diferenciada, já que ser poeta pressupõe um dom, uma capacidade inerente que se descobre num dado momento da vida dos apreciadores da leitura do folheto – Antônio Francisco Teixeira de Melo, mais novo membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel – ABLC – só se descobriu cordelista com mais de quarenta anos de idade. Ser poeta também significa ser detentor de sabedoria, o que lhe confere o papel de mediador entre a literatura popular e a erudita, entre os fatos acontecidos e o povo e, especialmente, o de representante de seu público, qualificado como "classe pobre, desprotegida" (Hata, 1996).

Segundo Mário de Andrade no seu Prefácio Interessantíssimo, que apresenta a obra Paulicéia Desvairada, o lirismo nasce no subconsciente, através de um pensamento claro ou confuso e cria frases que são versos inteiros... Mais adiante tal autor critica a questão formal da poesia (metrificação, acentuação tônica, rima etc.) e diz que esse apego a regras pode prejudicar a inspiração e consequentemente a produção do poema. Porém quando se trata da “literatura bárbara” vemos que essas regras soam naturais, tudo funciona perfeitamente harmonizado na cabeça do cordelista, que pensa naturalmente dentro das estruturas formais da poesia.

É importante que fique claro neste trabalho o valor dado à liberdade de criação poética e também que determinados recursos que, pelos modernistas são tratados com aprisionamento do lirismo, podem vir a fazer parte da poesia têm o seu valor tanto no campo da forma, como do conteúdo, das imagens ou do lirismo dos poemas.

Interessa-nos conhecer o poético realizado nos textos, visto que seu indício fundamental apenas se deixa examinar nas palavras em que se inscreve, por meio das quais se comunica e nas quais assume a sua identidade. Não o que deve ser poético, mas o que é, parece ser ou pode ser, no perímetro do texto, ou seja, o fenômeno poético, não o número poético: o poético entendido como o signo ou categoria que designa uma experiência ou aquilo que aparece à consciência, - ou um modo de ser da inteligência e sensibilidade (de um criador de arte: o poeta) como se encontra materializado nas páginas escritas; não o poético vislumbrado como um “em si”, ou um a priori projetado utopicamente num espaço e num tempo indefinidos. (MOISÉS, 1982).

A partir dessas e de tantas outras idéias fica aqui a intenção básica deste trabalho: como se constrói o lirismo e as imagens poéticas na literatura de cordel.

São objetivos desse trabalho: analisar como é possível se alcançar profundidade e lirismo dentro de uma poesia com forma, conteúdo e vocabulário tão simples; e verificar os elementos constituintes da poesia (ritmo, rima, vocabulário, imagens, progressão poética, figuras de linguagem...) descrevendo a sua funcionalidade na construção do lirismo dentro da poesia popular.